Iolanda Figueiredo, discípula mais famosa de Osho no Brasil, conta como o guru mudou sua vida
Nos anos 1970, a mineira era uma das locomotivas do soçaite carioca
Bruno Astuto
01/07/2018 - 04:30 / Atualizado em 01/07/2018 - 11:07
Quem é esta mulher elegantérrima que anda pelas ruas e pelos salões de alta roda do Rio a bordo de joias espetaculares, óculos escuros, túnicas e um indefectível turbante que combina com tudo? E o que ela tem a ver com o documentário que vem fazendo um estrondoso sucesso mundial no Netflix?
Nos anos 1970, a mineira Iolanda Figueiredo era uma das locomotivas do soçaite carioca, estrela das colunas sociais e das pistas do Hippopotamus, do Régine’s e do Chez Castel, o trio de casas noturnas onde a elite se divertia sem culpa e sem pensar no amanhã. A bordo de looks impactantes — poderosa cabeleira cacheada, maquiagem de deusa egípcia, vestidos de alta costura misturados a gigantescos balangandãs —, ela jamais passou despercebida. Com o jornalista Sérgio Figueiredo, formava um casal que ninguém imaginava que permaneceria junto durante mais de 40 anos. Ele era de família ultracatólica, afiado, influente, guru dos grandes tycoons do empresariado, da política e da mídia; ela era espontânea, instintiva, vanguardista, uma personalidade solta na natureza.
— Eu saía absolutamente todas as noites, naquela época de excessos e loucuras do Rio. E, sim, rolava muita droga. Fui internada várias vezes em clínicas de reabilitação — conta ela, sem renegar o passado. — Foi uma época necessária para quebrar tabus, para que o mundo conhecesse seu inferno pessoal e redespertasse para a consciência. Muita gente não sobreviveu, mas eu sobrevivi. Sou grata pelo meu passado e pela mulher que eu fui, porque ela me possibilitou me tornar a mulher que eu sou hoje. Ninguém muda se está tudo bem.
Havia, é claro, os momentos de “limpeza”. Num deles, no início dos anos 1980, Iolanda virou uma das mais fervorosas adeptas do voo livre, uma das pioneiras a tomar diariamente suco verde e começou a praticar ioga. Um professor a presenteou com um exemplar de “Antes que você morra”, um dos mais de 600 livros escritos pelo guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, nascido Chandra Mohan Jain, hoje conhecido pelo nome que adotou no fim da vida, Osho.
Egresso de um vilarejo pobre da Índia, o ex-professor de filosofia fundou em 1974, em Puna, seu primeiro ashram. Para horror dos religiosos locais, intitulou-se de cara um saniase, termo que se aplicava somente àqueles que abandonavam a vida material para viver de maneira ortodoxa os princípios da fé hindu. Só que o guru não via qualquer conflito entre a religiosidade e os prazeres materiais e sexuais, além de conceder o título de saniase a qualquer pessoa que começasse a seguir seus ensinamentos. Não demorou para que ele conquistasse centenas de milhares de adeptos em todo o mundo — e também muitos desafetos na Índia. A confusão com as autoridades locais foi tamanha, que seus discípulos começaram a procurar um novo pouso.
Em 1981, a secretária particular de Osho, Ma Anand Sheela, comprou no nome dele uma propriedade de 260 quilômetros quadrados no condado de Wascon, no Oregon, Estados Unidos. Ali, ela e outros milhares de seguidores do guru fundaram uma cidade, a Rajneeshpuram, com centros comerciais, aeroporto e sistema de correio próprios e práticas que chocaram — só para dizer o mínimo — os moradores de Antelope, o vilarejo vizinho. O épico embate entre os forasteiros e os locais é o tema de “Wild Wild Country”, o documentário da Netflix , dividido em seis episódios. E terminou com uma história esquisitíssima: sob pretextos políticos, membros da comunidade teriam borrifado água infectada com salmonela na comida de restaurantes, deixando centenas de pessoas doentes e impedidas de votar. Foi então que Iolanda entrou nessa história.
Pouco antes do ataque bioquímico, ela conta que teve uma iluminação no meio da rua, em Ipanema. Voltou para casa e deu de cara com o livro esquecido, dado pelo professor de ioga.
— Fiquei fascinada com o que estava lendo; aqueles ensinamentos fizeram completo sentido para mim. De uma certa forma, eles já estavam dentro da minha alma, mas a vida social tinha me deixado louca, triste, com um vazio enorme que me impedia de enxergar — relata ela, que em seguida viajou a Nova York, com a intenção de ir ao Oregon conhecer o guru, graças ao intermédio de um amigo brasileiro, Pompom.
Nesse interim, o FBI entrou na jogada, e Osho foi preso meio à la Al Capone — não por causa da salmonela, mas por uma violação à lei de imigração, já que seu visto de residente havia expirado e ele continuava nos Estados Unidos. Mesmo assim, Iolanda mandou uma carta para a cadeia pedindo ao mestre seu saniase.
— Ele ficou emocionado, porque, a essa altura, vários seguidores estavam devolvendo seus saniases. Sabe como é o ser humano, né? Quando a coisa aperta, ele corre. Mas eu não sou dessas. Osho me escreveu de volta e revelou meu novo nome, Ma Prem Rashky, que significa “o brilho e a beleza do amor”.
Depois de pagar uma fiança de US$ 400 mil, Osho acabou deportado. Com entrada recusada em 21 países, foi parar no Uruguai, em 1986. Assim que chegou a Punta del Este, pediu que uma seguidora viesse ao Rio para convidar Iolanda a encontrá-lo.
— Na nossa primeira conversa, ele só falava inglês, e eu ouvia tudo em português. Isso só acontece com uma conexão de coração para coração. Eu senti que eu desapareci diante dele — lembra ela. — Meu marido achou tudo um absurdo, mas, no final da vida, entendeu que aquilo foi a minha cura, a minha salvação.
Quando Osho voltou à Índia, Iolanda foi mais uma vez ao seu encontro. Passou um ano em Puna, morando na casa do guru, que a nomeou sua embaixadora no Brasil. Uma amiga, a socialite Gisella Amaral, escreveu-lhe pedindo que ela voltasse para casa, “pelo amor de Deus”.
— Quando voltei ao Rio, todo mundo dizia que eu estava louca, imaginando que aquilo se tratava de mais um surto meu. Algumas amigas me apoiaram e me entenderam, mas a maioria das pessoas virou a cara — conta ela. — Eu cheguei à Índia coberta de joias, maquiada, e as pessoas, é claro, estranharam. Mas Osho ensinava que você não precisa ser pobre ou abrir mão de tudo para se iluminar, que a matéria não impede a evolução da alma. A gente vivia, e vive, numa sociedade que só reprime e diz “não pode isso, não pode aquilo”. Osho promoveu uma revolução ao dizer “sim”: “sim, você pode fazer e ser o que quiser; sim, você pode ser livre e não agir de acordo com o que as pessoas ditam a você”. Mas também ensinava que toda liberdade vem com uma grande responsabilidade. Está aí a chave de tudo.
Filha de Iolanda, a cantora e designer de joias Yara Figueiredo era adolescente e estudava na Suíça quando aconteceu a conversão da mãe.
— É claro que, no início, nenhum de nós entendia essa transformação. Eu encontrei minha mãe fazendo a meditação dinâmica, que tem quatro estágios entre o choro, a dança, o silêncio. Um dia, eu telefonei para ela na Índia e avisei: “estou indo para aí”. Fiquei dois meses no ashram, recebi meu saniase e o nome de Ma Prem Sarani, que quer dizer “O caminho do amor”. Desde então, eu vou quase todos os anos para lá — conta Yara. — O documentário tem o mérito de despertar nas mentes abertas pelo menos a curiosidade de conhecer sua obra. Então por que não pegar um dos livros para ler o que ele ensinou e interpretar sem julgamento?
Coordenador há 33 anos do único centro de meditação do Osho no Rio, o professor aposentado de artes cênicas Luiz Eduardo Brasil, mais conhecido como Prem Abodha, chegou a passar 15 dias na comunidade do Oregon, em 1982. E conta que gostou tanto do que encontrou lá como do documentário:
— Era uma atmosfera de alegria, não tinha nada dessa coisa de trabalhos forçados. As pessoas queriam construir aquele espaço, trabalhavam de 12 a 14 horas para transformar o deserto num oásis. Vejo o filme mais como uma história sobre a secretária, e as loucuras que aquele grupo cometeu com a liberdade que lhes foi dada por Osho, do que sobre o Osho em si. Ele não orientava ninguém, ficava em silêncio. Mas toda essa publicidade tem provocado um revival do mestre. Muitas pessoas começaram a ficar curiosas sobre quem ele era e procurar sua meditação. Aqui no centro, a procura cresceu bastante.
Pergunto a Abodha sobre a famosa e controversa coleção de 93 Rolls Royces do mestre.
— Ao contrário dos outros gurus, Osho não pregava a pobreza, mas a abundância e o conforto. Alguns seguidores o presenteavam com carros, joias, bens. Mas tudo ficou para a fundação. Muitos anos depois da confusão do Oregon, ele contou que sua intenção era fazer com que a sociedade americana encarasse o sentimento da inveja. Se ele fizesse voto de pobreza ou ficasse em jejum, todo mundo o acharia um santo. Então, de certa forma, aquilo era uma provocação ao sistema americano — diz o saniase. — Ele sempre foi um mestre muito controverso, é impossível você ficar neutro em relação a ele. Ou as pessoas o admiram ou o repelem. Hoje, é muito fácil e pop ser guru, mas, naquela época, todos nós sofremos muito preconceito e perseguições. Fomos muito visados, inclusive por agentes do governo americano.
Quando Osho morreu em 1990, aos 58 anos (para muitos discípulos, ele foi envenenado, mas a causa mortis oficial foi insuficiência cardíaca), Iolanda conta que ficou “completamente desamparada e sem chão”. Num ritual em intenção ao guru num apart-hotel no Rio, seus cabelos e seu couro cabeludo foram completamente queimados por velas.
— Ouvi a voz de Osho dizendo: “Se você se deixar queimar e sobreviver, sairá completamente transformada”. E eu obedeci. Quero deixar claro que estava completamente consciente; se não estivesse, estaria morta. Ivo Pitanguy, que cuidou de mim, me disse que eu me salvei por um milagre. Mas o fato é que nunca mais bebi, fumei ou me droguei. Eu renasci — afirma ela.
Iolanda diz que não prefere fazer nenhum julgamento sobre “Wild Wild Country”:
— Entre as pessoas, tenho visto muitas reações: há as que que discordam do filme e as que acham que ele vai ser benéfico para difundir o Osho. Só sei que, desde que o documentário foi lançado, Puna está lotada, inclusive de chineses.
Por causa da doença que acometeu o marido— de quem, detalhe, ela se divorciou duas vezes e com quem se casou outras três — , Iolanda passou dez anos sem visitar o ashram na Índia. Quando Sérgio morreu, em 2015, ela retomou sua peregrinação anual de três meses ao local, onde é chamada de “Mãe”. O ashram é hoje um centro terapêutico (ou “resort”, como os própios saniases chamam modernamente) que não ostenta nenhuma foto do mestre, comandado por 21 discípulos nomeados por ele antes de morrer. Em dezembro último, Iolanda fez uma das últimas terapias recomendadas por Osho, chamada Rosa Mística, em que as pessoas passam sete dias chorando, mais sete rindo e outros sete em silêncio.
— Osho não queria que a sua filosofia se tornasse uma religião, com todos aqueles dogmas e rituais que aprisionam, ou um culto à sua personalidade — ressalta Iolanda, que tem um enorme retrato do guru em seu quarto, de frente para a cama.
Em todas as paredes da casa, espalham-se pinturas belíssimas assinadas por ela, que me mostra também as famosas joias que cria. Entre elas estão especial as rosas místicas em ouro ou prata, em cujo verso se lê a frase “Livrai-nos de todo mal, amém”, e os colares de cristais em formato de coração com estrelas no centro. Estes fizeram muito sucesso no pescoço de Betty Faria na época da novela “A indomada”. Diante do retrato do guru, Iolanda para e segura minha mão.
— As pessoas me chamavam de “a louca de turbante”. Mas estou aqui, há 32 anos, divulgando a palavra do meu mestre. Ninguém contava com a minha consistência e com a minha coerência. Trago comigo uma confiança na vida e em mim mesma, um estado permanente de meditação e de paz que Osho me ajudou a descobrir — despede-se, com os olhos marejados.
Fonte:https://oglobo.globo.com/ela/gente/iolanda-figueiredo-discipula-mais-famosa-de-osho-no-brasil-conta-como-guru-mudou-sua-vida-22834789
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